terça-feira, 15 de maio de 2007

O Encontro Sublime

"Foi na igreja de São Rufino o primeiro encontro espiritual de Clara com Francisco. Ele, naquela noite memorável, se dispusera a falar aos irmãos de Assis. Formosa, nos seus dezassete anos, ela era dona de altos sentimentos, que embelezavam e iluminavam a sua própria alma. Era dotada de candura inexplicável e sua formosura atraía os olhares, por ser sua beleza uma nesga por onde passavam as claridades espirituais. Seus olhos mostravam a quem os contemplasse, a existência do céu e, se não for demais comparar, pareciam duas estrelas, senão sóis, que prometiam a mais alta esperança aos sofredores e aos que se apaixonavam pelos mistérios. Seus cabelos pareciam luminosos, como que servindo de antenas da alma, que buscavam inspirações mais altas para falar aos homens, em todas as direcções do entendimento.
Clara era uma ave do céu a pousar na Terra, onde a ignorância se encadeava em todos os países, onde as próprias religiões manifestavam poderes extraordinários, formando guerras e levantando tribunais, cujos frutos eram o sofrimento e a depravação, em nome d’Aquele que era todo Amor e Perdão. Clara era uma flor da mais pura árvore da vida – a árvore do Amor. Francisco, vivendo na mesma cidade em que nasceu essa moça encantadora, a conhecia desde menina, pois também era de família abastada. Porém, o empuxo espiritual destes dois seres se deu, quando ele falava no templo de São Rufino.
Francisco estava acompanhado de vários companheiros de trabalhos espirituais, que o secundavam em orações, e o silêncio era a tónica do ambiente. (…)
Nas vibrações desta fala, Francisco identificou dois grandes olhos que o fitavam com ansiedade. Clara o olhava hipnotizada pela sua palavra eloquente e pela sua presença simples. As poucas palavras que dissera encadeavam-se em torrentes de esperanças para o coração daquela jovem deveras fascinante.
Ao olhar para Clara, Francisco sentiu emoção diferente da que os jovens, comummente, sentem ao avistar o primeiro amor. A emoção estava mesclada com o mais puro sentimento: aquele amor que desconhece o ciúme, no qual não há vaidade, onde não existe paixão, onde desaparece o egoísmo, não se pensa em orgulho, e não se fala em imposição.
Clara estava ali como uma flor, ao encontro do sol, do vento, e da água e quando notou Francisco a fitava em demorada contemplação, esqueceu-se da vida, sentindo-se banhada por um sopro divino, envolvida pelo olhar que nunca mais esqueceu. Sua emoção espiritual transmutou-se em felicidade para Francisco de Assis, que deu continuidade ao seu sermão, com serenidade: (…)

Fez uma pausa, olhou para todos os assistentes, e tornou a encontrar os olhos de Clara fitando os seus. Sentiu o coração diferente e entendeu que aquela presença não era igual às outras. Existiam fios invisíveis interligando seus sentimentos, senão os corações que pulsavam no mesmo ritmo. Era o Amor mais puro que se poderia pensar. Clara, naquele instante, sentiu que o mundo era pequeno para que pudesse ser trocado por aquele momento de felicidade. Encontrou ali o que procurava no imo d’alma. Aquele Francisco, filho de Bernardone, homem opulento, dos mais ricos de Assis, era um nobre que trocara a nobreza para sentir a humanidade, e viver sem família definida, tendo, em todos os lares, o seu próprio lar. (…)
De dentro da igreja, somente uma pessoa saiu sem procurar o pregador: Clara, embargada de emoção, por ver e sentir tanta luz espiritual. Seus pensamentos buscavam em todas as direcções o porquê daquela atracção por aquele homem simples como as pombas e prudente no falar como as serpentes. Esquecendo-se de sua condição de nobreza, saiu apressada, entrou em sua residência, trancou-se nos seus aposentos, e, jogando-se na cama, sobre alvos lençóis, chorou sem parar… Chorava de medo, chorava de saudades!... Chorava de amor, chorava de felicidade!... Chorava por sentir o encontro no seu caminho, e adormeceu, entregando-se aos braços dos anjos. Francisco e seus companheiros saíram em demanda do acampamento. Em sua mente surgia, de vez em quando, a imagem de Clara com aqueles olhos da cor de verniz, cuja luz o fazia cismar em seus sentimentos. No silêncio que ninguém ousara quebrar, monologava com prazer:
Senhor, por que essa criatura me fita por dentro d’alma e me acompanha sem que as distâncias a interrompam? Que Deus abençoe onde estiver, e que a coloque em lugar onde a nossa Mãe Santíssima possa vigiá-la, com as suas bênçãos e o seu amor. Conheço Clara e sua distinta família, mas estou desconhecendo o destino do seu coração. Permite, Senhor que seja na Tua Paz, e na Paz de Cristo.

Desde o dia em que falara na igreja de São Rufino, Francisco não esqueceu mais os olhos de Clara, que o fitavam na mais alta emoção que os sentimentos podem manifestar. Certa tarde, encantado com a natureza saiu cantarolando (…) sentiu uma mão pousar de leve em seu ombro, e dizer. “ A paz seja convosco”. (…) o filho de Bernardone usou da oportunidade, sem rodeios, cordial e sincero:
- Clara!... Minha filha, somos nascidos nesta Terra acolhedora e bendita. Talvez tenhamos nos encontrado muitas vezes, sem que o coração manifestasse os nossos ideais. Mas, agora, crescemos, e nossas almas falam da realidade que a vida espera de nós.
Vimo-nos na igreja de São Rufino e certamente notaste o meu ideal ante o chamado de Nosso Senhor, não fosse peso demasiado para os teus ombros, chamar-te-ia com todas as forças de minh’alma: Vamos! Sei que estás tomada de inexplicável emoção aos olhos do mundo, mas sei também, que abrigas no coração forças desconhecidas até para ti mesma, que poderão elevar teus ideias às alturas inconcebíveis da Terra, a sentir a grandeza de Deus.
Não quero contradizer as coisas do mundo, pois Deus sabe o que deve ser feito dele, usando de tudo para um todo de paz, entretanto, ele para nós está cheio de ilusões, que à primeira vista nos fascina e nos mostra, em todas as direcções, uma felicidade passageira. Nascemos sob a égide do ouro e em nossas veias corre um sangue, que dizem ser nobre. Vivemos, como ainda vives, em palácios, com criados à espera de ordens, para que a nossa vontade se cumpra. Graça a Deus, já me libertei do fardo incómodo das riquezas, da pressão de meu pai e dos compromissos de família. Minha mãe, deves conhecer, é um anjo, assim como Jarla e Foli. Essas três mulheres me ajudaram muito na minha formação e me inspiravam na beleza da vida que estou vivendo. Suas presenças me elevam e eu recebo algo imerecido daqueles corações que me amam, e que nada pedem de mim.
(…) Mas, quanto a ti, a diferença é enorme, Clara ! Sinto que a tua vida se entrelaça na minha em altos sentidos, que o próprio coração tenta esconder, para que não saia das necessidades humanas. O teu olhar, na igreja de São Rufino, escreveu algo em meu coração , que nunca poderei esquecer, fazendo-me lembrar de coisas que não deste mundo. Acho que Frei Luiz estava muito certo quando me revelou que vestimos corpos como fazemos com as roupas, mas a lama é sempre a mesma. Isso deve ser uma realidade que o futuro está encarregado de anunciar, pelos quatro quantos do mundo, para que sirva de consolo a todas as criaturas que sofrem, choram e padecem todos os tipos de infortúnios. Nós nos conhecemos de longa data, que se perde nas dobras imensuráveis do tempo. A vida é um mistério, que somente nos é revelado pelos processos do Amor; quanto mais a gente ama, no quilate do Amor que nada pede, mais ficamos sabendo das coisas escondidas dos que desconhecessem essa virtude por excelência.
- Clara!... O ideal do homem e da mulher no mundo é formar um lar, e esse lar, é por assim dizer, uma semente de Deus, que garante a continuidade das criaturas humanas. (…) Todavia, no nosso caso, ele deve obedecer aos ditames do amor mais puro e ouvir a disciplina mais rigorosa do empenho com Jesus Cristo. (..) És bela, mas a formosura da tua alma suplanta a do corpo.(..)

- Francisco!... Nunca pensei que existisse tamanha felicidade quanto a que senti dentro da igreja de São Rufino, quanto te vi, envolvido na candura que te é própria. Quando os meus olhos encontraram os teus, em clima de confiança que inspirava o meu coração, senti-me transportada para região que não sei explicar, cuja existência nem posso conceder, onde a vida pode ser chamada de vida, por existir nela somente o Amor, aquele de que sempre falas, de pureza inconcebível. (..) Francisco de Assis a tudo ouviu demonstrando alegria; notava de vez em quando a feição de Clara mudar e a voz vibrar no decorrer das frases que, inspirada, compunha. Verdadeiramente, ela estava sendo instrumento para que alguém do mundo espiritual falasse a Francisco; o mesmo ocorria com ele. Estava sendo selada a aliança de Clara e Francisco para a eternidade.

As pedras estão no mundo; basta ajuntá-las, para construir a grande casa de Deus "
In Francisco de Assis, João Nunes Maia (psicografia), Miramez (espírito).

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

"Nós nos conhecemos de longa data, que se perde nas dobras imensuráveis do tempo"
Lindo... :) Tu sabes cmo este texto m tocou!... :)
*beso*

16/5/07 00:57  
Anonymous Anónimo said...

esta Clara eh a Nunes ?

15/1/08 01:33  

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